sábado, novembro 05, 2011

Coisa nenhuma.


Achas que de ti sinto pesar?
Nos meus olhos é isso que vês?
Podes invariavelmente identificá-lo

mas o pesar não é teu.

É que te invejo…
na aptidão, de ser e de sentir
que nunca poderei decalcar.
Invejo-te sobretudo na dor,
que antediz o nada.


O mais estranho é que,
é na nossa plena entrega
que é maior a plenitude.
Como é que nunca é o nada que resta?


É fácil não ter nada.
É difícil ter tudo.
Nada fácil é ser tudo,
mas o mais difícil de tudo
é ser nada.


Ausência de ego,
hercúleo projecto!
Perfeição apática do nirvana.
Antípoda do abismo vertiginoso
de quem tenta ser quem não é.


Mais que invisível,
ser indetectável.
Nada pensar.
Nada sonhar.


Para almejar o nada.
(Sem bactérias, moléculas,
sem espírito ou matéria.
Sem tempo ou espaço.
Sem degradação ou criação.
Sem energia, sem dimensão).
Perder-se da alma.


Mais que vazio,
buraco negro.
Reter da luz, a sombra,
por trilhos em constante variação
que convergem num beco sem retorno.
Ser coisa nenhuma.

sábado, março 12, 2011

Fotografia: Pedro Pita



Metamorfose registada

Varanda forjada de silêncio,
janelas tatuadas de ornamento
fundem na moldura de granito,
o reflexo da indiferença.

Os olhos de azulejo intenso
gravam gritos vitrificados
de padrões mecanizados
da multidão em atropelo.

A beleza crua e despojada,
alheada das amarras
sonha na noite velada
como criança que faz birra
teimosamente genuína
sem aguardar acalento.

Da perspectiva insegura
o mergulho é incerto.
Queda na multidão
ou voo liberto!

Exposta, de peito aberto.
Forte na sua essência.
Sai pelas ruas embrutecidas,
sem temer perder bagagem.
Rasga as veias e revira o coração
contrastando o autismo da multidão.

A fotografia revela
o que a olho nu é difícil enfrentar.
Um mundo que por vezes avesso
também se pode,
mesmo que a ferro e fogo
metamorfosear.

Uma simples fotografia,
em tons mortiços de cinzento,
inspira a pintar com variedade,
as almas fora de validade.

domingo, novembro 15, 2009

Onde a música me leva

Na vertigem de uma festa fúnebre,
por entre silêncios e sons,
encho o peito de mínimas, fusas,
breves e colcheias,
para pintar as sensações
de ressonâncias da alma.

Pelo jogo organizadamente improvisado
de ritmo, melodia e harmonia,
flutuo num levitar seguro,
que me abre as portas do mundo
num constante arrebate.

Liberto os tempos!
Rasgo as partituras!
Para ofertar aos deuses
claves de sóis singulares.

Nesta terapêutica jornada
comunico as frequências,
universais e consonantes,
que as fronteiras transpõem.

E é na diversidade acústica,
sinestesia de, eco que reluz
o timbre intenso e magnético da tua voz.
Prorrogação da reverberação…
onde a música me leva.

domingo, agosto 09, 2009

Navegante quiromante

Olho a minha mão aberta
de geóide complexo e irregular.
Gaia rochosa mas não deserta,
sistema vivo tão singular.

Estico bem os dedos
e de um mergulho sem medos,
percorro os oceanos sem fatigar,
do mindinho ao polegar.

As veias marcadas na crosta ardente,
debaixo da pele, do manto irrompem,
numa erupção nuclear de calor latente.
Vapores de emoções que assomem.

Articulo agora os gestos,
fantoches animados.
Sete continentes distintos
na palma da mão desenhados.

Pela densidade do tacto
decifro os segredos do mundo.
Como navegante quiromante
alcanço os antípodas num segundo.

Translação da articulação,
que no magnetismo acelerado,
me leva de encontro à tua mão
como corpo polarizado.

As duas mãos abertas,
e outrora vazias,
no entrelaçar,
restam preenchidas.

quarta-feira, julho 22, 2009

Fusão no amar

Deus quer”

Reactores da criação,
Que do nada tudo geram.
Consumida a instigação,
A liberdade veneram.

“O Homem sonha”

Renúncia ao sonhar!
O mesmo beijo que embala
leva sempre a despertar.

“A obra nasce”

A máquina
Urge força motriz.
Abnegada entrega – componente
Para ser feliz.

Ciclo combinado,
De um motor que nos liberta,
Activada a ligação,
que nos desperta.

A esta reacção,
Acelerada a esperança.
Incólume e imemorial
Partícula alfa da união,
Que a poucos alcança.

domingo, março 22, 2009

Meio-morto

Este é um daqueles dias em que me apetece morrer.
Morrer várias vezes, com dó e piedade,
ser egoísta, ignorar muitíssimo quem fica.

Chateia-me ser forte ou no molhado,
ser fraco ou chover,
se o que me apetece hoje é não ser.

Que irritante pantomina,
eterna luta
da amiúde repugna
de sofrer.

Se não quiseres sofrer, sofre muito.
Do osso ao tutano,
corrói a ferro e fogo,
mas sente, sente que dói.

Que aborrecimento é ser
e não ser ao mesmo tempo.
Pois se morrer hoje, e amanhã não,
hoje fui e amanhã serei,
mas meio-morto não.

Por isso hoje morro,
as vezes que tiver de ser,
para mim e para o mundo!
E amanhã, e só se me apetecer!... lá serei.

domingo, setembro 28, 2008

Método de sobreviver

Morrer ou renascer.
Nada mais há na vida
do que a constante fadiga
de desistir ou viver.

Viver é coisa que assusta,
e morrer é muito radical.
Vaguear pelo meio do caminho
onde sobreviver é o ideal.

Todos os medos adormecidos.
Todas as surpresas calculadas.
Todos os metros antes varridos.
Todas as pulsações harmonizadas.

Exaustiva é a rotina
da austera disciplina
de aniquilar qualquer tentativa
de abalar o ilusório domínio!

O módulo de coma induzido
é um anti-séptico abrigo,
sendo as emoções desincubadas
depois de inertizadas e autoclavadas.

Porque sentir é indissociável de viver,
as sensações, antes de analisadas
são totalmente criogenadas.

Laboratório branco e pueril
onde a descoberta é estéril
num jazigo de caixas de Petri!

Sobreviver é um método.
Se dissecadas as variáveis
é desmascarado o arquétipo
de que “todos os riscos são calculáveis”.

Soporífera ilusão,
inútil a segurança.

A certeza, a conclusão:
A vida perde-se à medida que o tempo avança.
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